segunda-feira, 22 de março de 2010

"Necrofilia", ou uma reinterpretação da HQ "Frígida"



Frígida: HQ de extremo mau-gosto publicada na revista Camiño di Rato (escreve-se assim mesmo).
"Necrofilia" é o que o próprio subtítulo diz: uma reinterpretação para "Frígida", vista por olhos femininos.
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Sempre gostei muito de arte sequencial, ou histórias em quadrinhos, e foi por um acaso que a revista acima mencionada, de publicação em Minas Gerais, veio parar em minhas mãos. Como a maioria dessas revistas independentes, tem algumas coisas legais e muitas nem tanto. Mas a referida estória "Frígida" me levou a algumas ponderações, e resolvi de alguma forma deixar minha crítica aqui. Na mesma linguagem.
Então postei para quem quiser ver a estória original e, abaixo, a crítica, também em arte sequencial. Para a execução, utilizei colagem de algumas imagens da própria estória, com a intenção de mostrar, pelo meu ponto de vista, a verdadeira mensagem passada pelos autores.

(Clique nas imagens para visualizar as páginas em tamanho legível.)
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Frígida

(a hq original, de autoria de Matheus Moura e Rosemário Souza)



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"Necrofilia", ou uma reinterpretação da HQ "Frígida"


(reinterpretação de Carmilla le Fanu, ou seja, eu!)





Observações:

# Não tenho um ponto de vista conservador sobre sexo: acho que todas as formas de sexo são válidas desde que todos os envolvidos estejam conscientes e de acordo, o que não acontece em casos de estupro, pedofilia, zoofilia e necrofilia. Acho o abuso sexual abominável em todas as suas formas, e acho doentio quando isso é mostrado como foi na estória "Frígida", com a clara intenção de ser uma estória erótica, sensual (para os homens, óbvio; creio que para a maioria das mulheres a estória cause mal estar e, talvez, indignação, não pelas imagens, que nada tenho contra a pornografia saudável, mas pelo conceito que pretende passar: a eroticidade de um abuso sexual e o desejo por uma mulher imóvel, submissa, servil da maneira máxima que se poderia ser).

# A frase que o personagem pensa na segunda página, "nunca pensei que encontraria uma prostituta virgem" também me levou a pensar sobre a ridícula valorização da virgindade feminina, ainda nos dias de hoje, valorização essa iniciada pela igreja cristã com sua implacável perseguição ao sexo como forma de controle de consciências (quem não faz sexo? todo mundo faz, nascemos do sexo, somos portanto todos pecadores e pecadoras, e a igreja é a salvação. Ainda que levemos uma vida regrada, esse pecado não há como negar). O incrível é esse conceito todo sobreviver ainda nos dias atuais...

A mulher é estuprada e ainda por cima chamada de prostituta...

# Chamo ainda a atenção para o título da estória: como a mulher-defunta não reage, ela é frígida, palavra provavelmente inventada por algum macho ruim de cama que nunca conseguiu satisfazer ou sequer excitar uma mulher.

A frigidez feminina é um mito, o que existem são mulheres amedrontadas pela própria consciência de que sexo é errado e, principalmente, homens brutos que não conseguem despertar a sensibilidade feminina, aí jogam a culpa na parceira...

# Acho que a mensagem que os autores quiseram passar era a da sensualidade da mulher submissa e da força do macho, mas interpretei de outra forma: para mim, a mensagem que passaram foi de uns pobres homens amedrontados pela verdadeira força feminina, que vem se mostrando cada vez maior.

Na minha "estória-crítica", ou "hq-resposta", como denominei, o desejo do homem em ser o poderoso diante da submissão feminina é representado pelo símbolo do super-homem na camiseta enquanto ele supostamente abusa da mulher. À medida que a estória se desenvolve o desenho muda, primeiro para imagens de mulheres nuas, representando a idealização da mulher-objeto, e finalmente para uma imagem de videogame, quando ele já está assustado e a caminho de casa, prestes a se fechar novamente em seu mundinho.